Rompimento de um ciclo

Por muito tempo, vivi como se estivesse preso a um roteiro que não escrevi. As palavras, os gestos, até os silêncios — tudo parecia ecoar uma história que vinha de antes de mim. Características comportamentais da minha mãe, eram uma força propulsora dentro de mim. Não era só o que ela dizia e fazia, mas o que ela não pôde dizer e fazer.

Eu repetia. Repetia o medo de não ser suficiente. Repetia o cuidado excessivo com os outros, como se minha existência só tivesse valor se eu me anulasse. Repetia o silêncio diante da dor, como ela fazia. E, acima de tudo, repetia a culpa — por sentir demais, por querer demais, por ser demais.

Mas um dia, algo em mim cansou. Não foi um grito, foi um sussurro. Um cansaço que virou coragem. Comecei a olhar para dentro com olhos que não eram dela — eram meus. E ali, entre os escombros da repetição, encontrei uma pequena chama. A chama da minha própria voz.

Foi um processo lento. Tive que desaprender o amor como sacrifício, e reaprender o amor como presença. Tive que perdoar — não só a minha mãe, mas a mim mesmo, por ter carregado tanto tempo o que não era meu. Tive que aceitar que ela fez o que pôde com o que tinha. E que agora, eu posso fazer diferente.

Hoje, não repito. Escolho. Escolho com consciência, com afeto, com liberdade. A imago materna, a imagem inconsciente da minha mãe, ainda vive em mim, mas agora ela não me guia — ela me acompanha, como parte da minha história, não como dona do meu destino.

Eu rompi o ciclo. E nesse rompimento, não houve ruptura com ela — houve reconciliação comigo.

E é nessa reconciliação que finalmente me reconheço. Não como reflexo de alguém, nem como extensão de uma dor herdada, mas como presença inteira, legítima, minha. Carrego a imago materna, sim — mas não mais como prisão, e sim como aprendizado. O ciclo que rompi não me afastou da minha origem; ele me aproximou da minha essência. Hoje, caminho com leveza, sabendo que posso honrar o que veio antes sem me perder nele. Porque agora, enfim, sou autor da minha própria história.